pra não ficar na gaveta
quarta-feira, outubro 31, 2007
ora mas é claro
que me mordo
da janela do ônibus a praia
escapa pelo vidro
penso de que serve
uma terça tão azul
quando ficaria
muito melhor pintada
de cinza
haveria um motivo
para eu usar roupas
escuras
sábado, outubro 20, 2007
sobre foto de orides fontela
orides na fotografia
usa cabelo joãozinho
e abraça dois gatos
como as mulheres que não
têm filhos. me telefona
da empresa para marcar
um café com ar
burocrático, diz em pigarros
que o horário de verão
não lhe faz muito bem,
no que eu digo: vá
dançar à tarde, orides,
e ela bate o fone (o chefe
chegou). imagino orides
sorrindo estrábica e
com caninos desalinhados
murmurando um
bom dia senhor para si
mesma. houve uma vez
eu disse para ourides: você
não deveria ser tão contida
nem fingir que se chama
joana, mas orides
deu de ombros, tem nome
de ourives e se esconde em
casacos de moleton, mal sai
de casa, conversa com gatos
e me liga nos intervalos.
quinta-feira, outubro 18, 2007
não existe cidade sem a palavra
não existe cidade sem a palavra.
daqui sou capaz de ver o morro dois irmãos
ou fechar os olhos e sentir o aço
da janela do ônibus, o abraço da sumaúma
no jardim botânico, sou capaz de
sentir o gosto do fim de tarde na praia
de ipanema, (é salgado, o rio de janeiro)
ou do início do dia, na voluntários
da pátria trepidante.
uso todos os sentidos para descrever
a cidade, então não posso dizer que é
a palavra, somente a palavra, que habita
a cidade? posso fechar os olhos, a boca,
mas se deixo um dos sentidos em alerta
já moro aqui, já posso descrever.
é a palavra que tangencia todos os sentidos
é na palavra onde a cidade mora.
domingo, outubro 14, 2007
almoço de domingo
Um filé com arroz à piamontese, por favor, e uma tônica. Papai pediu o polvo com legumes, como sempre. Viemos aqui religiosamente todos os domingos, neste restaurante escuro, apesar da luz transbordante das duas da tarde que escapa entre as frestas da cortina. Não é mal, o lugar. É verdade que me incomoda o chão de carpete e as paredes em tons de vinho, é verdade que me incomoda também que os pratos venham sempre frios, ou trocados, ou que o meu venha muito antes do pedido do papai. Continuamos voltando para cá mesmo assim, mesmo depois da crítica durante o cafezinho. Ele traz a xícara à boca e diz: o atendimento daqui está cada vez pior. Nunca comi um polvo tão duro. Eles deviam trocar o chefe. Depois beberica o café (muito aguado) e assina o cheque.
Há também um pianista triste ao fundo. Ele toca três músicas, olha para as mesas, sabe que ninguém o observa, e volta para si menor. I´ve got you under my skin de repente soa fora do tom, ou foi uma nota que escapou, o pianista sempre contorna as notas que escapam. Bom mesmo, eu penso, seria se ele parasse antes de terminar o compasso, assim, de súbito, para que os ali presentes reparassem algo de estranho e suspendessem a mordida. Pedir que percebam o pianista no salão chega a ser um exagero.
Papai não pergunta muito. Conta sobre a última viagem, monossilábico, foi boa, desta vez ficou num apartamento ótimo em Paris, amplo e asseado. O meu trabalho vai bem, ele sabe que procuro outras coisas, que não me comove a idéia de passar o resto da vida no escritório sem vista para o céu. Que eu não gostaria de continuar diminuído pela hierarquia, ou gigante quando peço que me tragam mais café. E que, apesar de todas estas coisas não ditas, papai talvez não saiba, ou até saiba muito melhor do que eu, que me falta força de vontade para um dia vestir uma gravata de outra cor, ou pedir um outro prato, ou aplaudir o pianista quando ele toca a última música do repertório.
terça-feira, outubro 09, 2007
ritornelo
Nem tudo se mede com o ponteiro. Não é às duas que devo estar na sala da empresa, mas nessa luz de cima levemente inclinada. É a sombra exata do fim da passarela: a parede e o corrimão todos os dias para o lado direito.
Aqui do escritório há uma enorme janela ao lado da minha mesa. É um prédio alto, papo de quarenta andares, mas de onde eu assisto não há grande paisagem. É o estacionamento do shopping, a fila de carros estática que por vezes se modifica, sai um, entra outro, sem nenhum sobressalto. Daqui não há um panorama da cidade, como lá em cima, onde se vê a curva da praia, contornos de morros, algumas construções, gaivotas mergulhando numa Princesa Isabel engarrafada, a carcaça do túnel, o trajeto do sol. O panorama do primeiro andar são dois coqueiros plantados num jardim artificial e, já disse, os automóveis.
Nem por isso deixo de me distrair. No arranha-céu, me localizo justamente no nível do chão. Quando venta um pouco, assisto às folhas dos coqueiros se sacudirem, e a alguns passarinhos (da última vez, era um bem-te-vi), desamparados. Mas o atrativo, confesso, não está bem nisso. Agora, por exemplo, cinco horas, é o momento crucial do dia. Venta uma brisa que sopra de leve, diferente do ar condicionado gélido daqui, que me veste com casaco de gola. É a luz que me retém, neste minuto exato em que o céu não brilha, mas desalinha. O dia turquesa de outubro definha num azul frio, quase branco, que curiosamente não se parece com o das primeiras horas do dia, quando o sol sobrevoa inclinado. A luz da manhã é espécie de promessa, e já ofusca. A do fim do dia, não: cinco da tarde são horas curvadas, desbotadas.
A noite chega com os postes do estacionamento acesos, em lâmpadas redondas. Aqui da mesa observo tudo com olhos sonolentos: o computador já não me traz nada de novo, terminei as contas faz tempo, e agora aguardo o momento do breu total, que espelha aqui dentro, o escritório. Seis e meia. Agora, o que vejo do lado de fora é o meu reflexo, meu rosto confundido com o farol de um carro que sai da vaga, esgotado de acompanhar a lentidão das horas. Sinto que envelheci em um dia, e é aqui que me ergo da cadeira e volto para casa. Amanhã se repete.
sexta-feira, outubro 05, 2007
notas para um poema
começar essa linha
para afugentar o tédio
qualquer coisa de cordão
umbilical que me enlace / sustente / prenda.
tenho sonhado todas as noites.
acordo e lembro pouco, algum
resquício desce pela pia
assim que lavo o rosto.
aguardo um sinal
de trânsito com defeito
para chegar à outra margem.
escapo entre ônibus
por pouco
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