pra não ficar na gaveta

quarta-feira, agosto 30, 2006

 
é que ele disfarça
o pontiagudo que vem
de dentro
da pele, músculos, espinha dorsal

os acordes no violão são
de uma simplicidade engraçada:
os dedos correndo pelas cordas
não tem pressa de desmanchar

esse azul
que escorre
pelos calcanhares

ele me ensina uma porção de cores.

segunda-feira, agosto 28, 2006

 
aqui cabe uma pausa
para trocar
de acorde

o diapasão nem sempre acerta
esse agudo
que tilinta
no ar

assobiando sinfonias
a batuta desiste

e as pálpebras deslizam
quase sem querer.

terça-feira, agosto 22, 2006

 
o que acontece aqui é ao avesso
esse último estalido de madeira
quando queima as bordas
até que chega ao centro, coração
de madeira, e trepida ela todinha
como fazem os gelos no copo
de vidro, ou os olhos de mar
salgados

gravetos
são catados pela estrada de barro
o corpo envergado para o chão
parece até que imita, contorcido
nessa beira de tarde
que não tem avião nem dia
de semana nem velocidade
já que o tempo aqui passa diferente.

terça-feira, agosto 15, 2006

 
a flor nos cabelos
é vaidade de que não abre mão
oferecendo o pescoço com a timidez
dos ombros curvados. Sabe-se

que as extremidades destoam
do corpo infantil: mãos
e pés grandes demais, apenas notados
em tropeços e tremeliques (não
raros), mas há também
os cotovelos em lanças que
espantam quando apontam
as quinas
e é claro, as unhas redondinhas
roídas até o sabugo, que desmascaram
a aflição de menina, sardas
nas costas. Sem esquecer
das pernas cruzadas crispadas
em joelhos e preguiça
de deixar esse domingo
e essa doçura.

terça-feira, agosto 08, 2006

 
aqui dispensa metáforas
essas tentativas de reter entre os dedos – escuta!
a noite sobrevoa alta e não admite
movimentos bruscos, uma fruta
estourando festiva entre os dentes.
ela está imberbe na construção de uma trança
a dança dos dedos entreabrindo
os cabelos não incomoda ninguém.

as cigarras cantam até nesse Rio de Janeiro
onde a ausência de Ipês roxos e amarelos
colorindo o chão
é contornável.

sábado, agosto 05, 2006

 

Sem platéia

Eu sei que quando faz noite e tudo em volta se transforma em breu e silêncio, todos dormindo, essa única janela acesa no prédio, talvez no bairro, ou mesmo na cidade, eu sei que por trás das paredes do quarto, por mais que isso soe incompatível, já que por trás das paredes só há a paisagem, o ar, de modo que por trás das paredes estaria o mundo inteiro, vago desse jeito, mas então devo dizer entre as paredes, como se houvessem camadas, entende, como se fosse possível compreender que as paredes não são feitas apenas de uma fileira, mas de várias que se completam, e dão a falsa impressão de que a espessura é sólida, quando na verdade a espessura da parede é formada por diversas camadas muito finas que são colocadas junto-grudadas de modo que é impossível discernir uma da outra, mas quando faz noite esse papo pouco importa, porque se com a claridade não podemos conceber as tais camadas, no escuro muito menos, posto que à noite tudo passa uma sensação de embaçado, já reparou? as coisas perdem um pouco a nitidez, e você não é mais que um borrão, essa letra do alfabeto escrita em caligrafia pré-escolar, um ponto volumoso na cama que sabe: a noite dura demais e o dia tão pouco, e o tempo é impalpável mas não por isso a gente deixa de envelhecer, e isto está evidente até na pele, as pequenas dobras, e eu sei, eu sei que quando faz noite você escuta ruídos por trás das paredes, bichos que falam.

terça-feira, agosto 01, 2006

 
Ele não adivinha mas
o silêncio aqui dentro
é
enorme

os dentes tortos, caninos afiados, são herança
dos ascendentes europeus, que nunca foram
chegados aos aparelhos odontológicos, um par de pés
descalços sobre o chão do terraço, pés
longos e ossudos,
seguidos por pernas, bermuda, camisa listrada, ele
carrega em si muito mais
não é só resultado, é também
a coisa-viva

eu sou tão
pequena, em frente ao espelho
um pouco embriagada dessa festa, gente
falando alto, cantando uma levada, copos
nas mãos, é segunda-feira de madrugada
nas férias de inverno numa cobertura
em Ipanema

quando eu era pequeno, ele fala bem devagar
os cortes dos lábios preenchidos com vinho
tinto, eu era pequeno e não entendia o tempo
e por isso decidi que a única forma, a pausa
dramática aqui talvez tenha durado demais
a única forma seria desmontando o relógio

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