Eu sei que quando faz noite e tudo em volta se transforma em breu e silêncio, todos dormindo, essa única janela acesa no prédio, talvez no bairro, ou mesmo na cidade, eu sei que por trás das paredes do quarto, por mais que isso soe incompatível, já que por trás das paredes só há a paisagem, o ar, de modo que por trás das paredes estaria o mundo inteiro, vago desse jeito, mas então devo dizer entre as paredes, como se houvessem camadas, entende, como se fosse possível compreender que as paredes não são feitas apenas de uma fileira, mas de várias que se completam, e dão a falsa impressão de que a espessura é sólida, quando na verdade a espessura da parede é formada por diversas camadas muito finas que são colocadas junto-grudadas de modo que é impossível discernir uma da outra, mas quando faz noite esse papo pouco importa, porque se com a claridade não podemos conceber as tais camadas, no escuro muito menos, posto que à noite tudo passa uma sensação de embaçado, já reparou? as coisas perdem um pouco a nitidez, e você não é mais que um borrão, essa letra do alfabeto escrita em caligrafia pré-escolar, um ponto volumoso na cama que sabe: a noite dura demais e o dia tão pouco, e o tempo é impalpável mas não por isso a gente deixa de envelhecer, e isto está evidente até na pele, as pequenas dobras, e eu sei, eu sei que quando faz noite você escuta ruídos por trás das paredes, bichos que falam.
postado por Alice Sant'Anna #
3:18 AM