era verão e nós éramos quatro. a porta da sala tinha a moldura pintada de amarelo e usávamos camisas dos nossas irmãos mais velhos. a gente não tinha barba. tudo era mais colorido, ou estou sendo memorialista, tudo era mais engraçado, a gente sentava na casinha das crianças no recreio, e se sentia burro-velho comendo goiabainha só porque já tínhamos aula de francês no primeiro tempo. hoje, os quatro no sofá, quebrando alguma coisa que não se diz. um vaso de begônias sobre a mesa, sua mão treme, o cartão diz palavras impróprias.
sabe, as coisas não mudam quase nada. até hoje é como uma faca lembrar do dia na cachoeira. queria deixar todos à vontade, queria mesmo é que curtissem à beça, e que não ficassem com medo da água cortante (já era inverno). eu tinha que ser mais forte que todo mundo. era como andar de avião com a prima menor: devia ser a adulta e dizer que turbulências são cócegas. então lá estava, na pose de gente grande – quando senti alguma coisa estranha. sabia que não se tratava de um novo formato de pedrinha, mas seria proibido checar o nome da coisa: podia assustar e aí nunca mais.
era uma lata. a gente foi descobrir quando cortou o pé dela, aquele sangue todo na água, dissolvia de um jeito diferente, não estancava, todos em roda vendo o pé aberto, o vermelho se espraiando.
nesse dia, quebrei um segredo fundamental. impossível grudar as peças da cerâmica da avó, o vaso estraçalhado. ficou um incômodo, o silêncio na mesa de jantar, o corte profundo que levou cinco pontos no hospital da cidadezinha mais próxima. a gente não sabia, o sol do inverno demora a esquentar.