De repente, mudei de idéia. Fiquei olhando praquela cara de menino, os olhos muito grandes e um risco que alguns chamam de boca. Ele não dizia nada. Esperava a minha resposta com as sobrancelhas arqueadas, quase arquitetônicas. Aposto que ensaiou em frente ao espelho. Ele era do tipo que ensaiava qualquer coisa em frente ao espelho, até a voz ao atender ao telefone. Pausa de cinco, sete segundos: alô. Os recados deixados em secretárias eletrônicas eram certeiros. Ele escrevia no papel. Caso contrário, balbuciava uma palavra e desligava logo em seguida, com profundo arrependimento. Eu também já fui assim. Mas hoje sou forte, boy. Hoje eu sou.
A casa dele não combinava. Sentei na poltrona e imaginei um salão branco, branco mesmo, daquele que ofusca. Ele estava de calça tweed e gola role e me servia uma taça de Martini seco, com azeitona dentro. Já eu vestia um longo decotado nas costas, com o braço apoiado no encosto do sofá. A gente brindava, cheers darlin’, e depois ria demais, a marca de batom no copo. Ele ligava o som, de preferência um Coltrane, sentava ao meu lado e me olhava fixamente. Após um gole, a taça aparecia vazia sobre a mesa.
Achei que estava deixando o menino entediado. Disse que precisava dar uma passada no banheiro, me mostre onde fica, boy. Segunda porta à esquerda. Fiquei alguns minutos sentada no vaso, hipnotizada pelos sapatos vermelhos. Talvez muito arrumados para a ocasião. É pena, eu sei, esperava uma outra atmosfera. Nada de salão branco com grandes bolas decorativas. Nada de calça tweed, nem Martini. Je suis desolée.
Quando saí do corredor, o menino me esperava de pé em seu suéter. As mãos nos bolsos da calça. O nervosismo estampado. Então, vamos? Ele falou sem jeito, feito os meninos de 17 anos que colecionam peixes em aquário. Me veio um branco total. Não me lembrava mais o motivo daquela visita, o que diabos eu estava fazendo na casa do menino, de onde nos conhecíamos, será que ele esperava que eu lecionasse francês e literatura?
Recolhi a minha bolsa de paetês no sofá e lhe dei um beijo na bochecha. Preciso ir. Me leve até a porta, boy. Cara de pastel, mané, bocó, gente que não come abobrinha. Vamos, boy, não seja mal educado e me leve até a porta. Sorri doce e cinicamente. Tchauzinho pelo vidro do elevador. Não suporto essa acne dos rapazes. Adeus, boy.
(01/08/2005)
postado por Alice Sant'Anna #
3:05 AM