Era quarta-feira fora de época, um dia quente demais para início de primavera. O horário das três da tarde era a volta dos empresários do almoço, o curso de inglês das crianças, a consulta no dentista. E ele mal tinha acordado. Saiu do apartamento no Humaitá com o pescoço ainda quente, tomou só um copo d’água e vestiu moletom e calça jeans, não gostava de comer nada assim tão cedo. Desceu de elevador e logo se arrependeu pelo casaco no ar abafado.
Mal percebeu que caminhava em direção à Cobal quando atravessou o portão. Gostava de se perder pelas ruas de Botafogo, mesmo sabendo que não fugia do eixo Voluntários, o rio que corta o bairro em tons desbotados. Ele sabia, Botafogo é cinza.
Hoje é dia de feira, os feirantes anunciavam. As donas paravam, davam uma olhada, eles insistiam, a fruta tá uma delícia, fresquinha, quer experimentar. Nem sempre elas experimentam. Ele se aproximou, alguma coisa chamou sua atenção, e não era bem uma fruta.
Uma alcachofra. Vegetal com formato de flor, só que uma flor bruta, parece pré-histórica, até as cores são jurássicas. Imaginou a primeira pessoa a experimentar uma alcachofra, mordendo-a inteira, até descobrir que a carne é fininha, um detalhe, está escondida, não mata a fome. E para alcançar o coração da alcachofra é uma dificuldade. O coração fica debaixo das pétalas, debaixo de uma espécie de capim grosso que irrita a língua.
Segurou a alcachofra absorto. Entregou uma nota de dez reais, é só isso. Era a primeira vez que comprava uma alcachofra, ele que nunca sentiu uma empatia especial, que inclusive rejeitou em jantares, achava sem gosto, uma coisa boba. De repente ficou constrangido: algumas pessoas soltavam risinhos. Era a paixão com que ele segurava a alcachofra.
Quase assim como se fosse um filho. Ou a mulher amada. Ele abraçava a alcachofra contra o peito, até dispensou o saco plástico, jogou as moedas no bolso e alisou as pétalas de cima. Era um cetro, um buquê, uma forma exótica da natureza. Tomou o caminho de volta pra casa, mal podia se segurar da inspiração repentina, e pensou onde no apartamento poderia esconder jóia tão rara.
postado por Alice Sant'Anna #
1:23 AM