Triste te ver tão mal paga, desprezada, topando.
Banco de trás do carro, você não era assim. Senta no vaso em banheiro público que é pro tempo passar depressa – e essa pressa, de que te serve? -, sentindo dor que não sabe de onde vem. Do coração, ah não, e ainda por cima virou brega? Romântica, platônica?
Você não sabe de nada. Com uma chave ou moeda você rabisca na porta da cabine uma frase. Dá tanto trabalho talhar a madeira, mas isso não te incomoda, você reforça até que a letra fique bem marcada. Pornografia, não, filosofia, não, poesia? Você não era assim, clichê.
Conhece gente nova e logo se afoba: quer inventar outra vida, outro nome, outros dias. Não essa pele gasta, cheiro de moeda, uma vontade de perfume, sapatos. Gostaria de ter um passado, viagens, postais?
Mas você não se lembra de nada. E é por isso que tira fotografias em frente ao espelho, posando com caras caras, saboneteiras, porque tem medo de esquecer? Tem medo de se esquecer? Você tem medo é de tudo, é de monstro debaixo da cama, é de reflexo.
Já disse que não adianta. Que daqui a pouco amanhece, alguém entra no banheiro e adivinha dois pezinhos tortos, e são os seus. Vão bater na porta, dizer que a boate está fechando, vá para casa, menina, já faz dia. E você nem te ligo, vão ter que me tirar à força?
Vão te tirar à força. E não serve em nada gritar, espernear, que aí te chamam de louca, vem polícia, vem repórter, vejam só, a menina endoidou, pirou de vez.
Desiste que tem gente esperando.
postado por Alice Sant'Anna #
2:07 AM