As pessoas só querem uma história pra contar. Voltando para casa, no ônibus amarelo, vejo o dia ameaçando seus primeiros movimentos. É sábado. São sete da manhã, e pela janela o Aterro do Flamengo corre em qualquer direção -- estou tão cansada. Vinda da noite, a cabeça pulsa quando a roda embica num buraco. Os olhinhos são como pequenos filhotes, desprotegidos, abrem dolorosos mas logo piscam, num alívio de pálpebras fechadas. É que não suporto essa falta de assunto, e aqui penso que você talvez me entenda, não suporto essa cumplicidade, tanto silêncio, umas vontades. Ponho o rosto para fora do vidro e acho muita graça quando o vento escorre nas bochechas e nos cabelos, num vôo desengonçado de pássaro. Penso numa porção de coisas, em andorinhas sobre pontes, em meu medo secreto de pombos, em pernas dispersas pela cidade, só que isso eu não te conto, não. Invento brincadeiras com os dedos caminhando e circundando a estampa do vestido, acompanhando um estranho raciocínio, mas me censuro outra vez: isso não faz sentido, e você vai me achar louca. Vida pacata. E se eu pelo menos tivesse uma grande novela pra contar, mocinhas e bandidos, trama cheia de detalhes amarradinhos, para que quando eu entrasse no prédio o porteiro não me olhasse assim, torto. Uma cara de que eu sou tão nova e volto pra casa numa hora dessas, imagine, onde já se viu, já é de manhã, minha cara. Sorrio, insegura, oi. Mas se existisse história pra narrar, aí seria diferente. Voltaria muito prosa, a respiração compassada, os ombros naturais, bom dia Seu Valfredo, e não olharia para trás quando o portão batesse. Não haveria essa quietude, esse medo de pombos, esse enorme apartamento sem móveis.