já que só sei falar sobre um assunto
é melhor deixar bem claro
que não gosto de esmalte nas unhas
e que morro de aflição
de meninas sérias. ele bem
tentou me convencer
a fazer um passeio até o museu
só pra ver um quadro
que o deixava cheio de saudade
a ponto de ter que voltar
a cada semana. contou
das grandes janelas da sua casa
(e não entra muita luz de manhã?)
lá é tudo sono
coca-cola para suportar as noites
e uma câmera para fotografar
meias nos pés
tenho no pulso um relógio
que acende no escuro
e unhas pra afiar na mesa
peço por favor que não zombe
dos meus sapatos de ponta
peço que não leve tão a sério
essa voz que te recebe no telefone
escondida em corpo minguante
não acredito em quase nada
só tenho medo de ficar longe de casa
por muito tempo
passo a maior parte dos dias vagando
como se esperasse um tornado
pregar peças por aqui
uma mulher carrega sua televisão
no colo como se fosse um bebê
um homem desce de muletas
pela porta da frente, um jovem
anota exclamações para si mesmo
em um caderno (terminar
o trabalho hoje sem falta!!!!!!)
uma turista enrolada
em uma canga azul não passou protetor
solar, a cobradora altiva
conversa com dois
homens que esticam pescoço
de ganso para assistir ao balanço de seus
brincos, o ônibus atravessa
desembestado o rebouças no fim
de tarde, alguns escutam música
poucos lêem, uma menina brinca
com os cabelos, saímos do túnel
e flutuamos numa lagoa de céu
rosa rabiscado
com duas ou três nuvens
perguntou se eu andava escrevendo
disse que tinha lido o meu nome
em algum lugar ou imaginou ter lido
o que dá no mesmo
era sexta e o ônibus demorava
um menino apontou para um disco voador
que brilhava vermelho e azul
a mãe resmungou
é uma antena, filho
subo no 569 e tenho vontade
de jogar o caderninho pela janela
imagino fogos de artifício
seria mesmo surpreendente
ter um ato de coragem