eu me lembro do dia
em que ouvi pela primeira vez
– inocência
a boca encheu e chiou e a palavra
caiu no chão
despedaçada
antes uns rabiscos no caderno
de pauta, caneta bic
agora uma esquina que dobra
como um espelho
para o infinito:
a hipnose das pernas
dispersas
cheias de pressa
de chegar a lugar nenhum
por isso comprei
um par de sapatos
que me ensina
o trajeto
eu que sou bobo –
e ela, um pouco estrábica,
galgando de dois em dois
degraus, me recebe sem nunca saber
as palavras certas, se dá abraço,
dois beijinhos, tchau de longe.
escolhe: beijinho na bochecha,
depois ri aflita, cheia de trejeitos
que um ator apontaria o diagnóstico:
o seu mal é a dicção, não consegue
nem pronunciar
a palavra
pororoca.
o desconforto que ele disfarça
em trocadilhos, como se
os pés tropeçassem
nos próprios cadarços, ruge
num hálito matinal de jejum,
vira de lado no travesseiro
e retoma a respiração. Depois
me encontra, sôfrego em qualquer
esquina ou linha
reta
mordisca um pedaço de
plástico ou papel, diz que
faz calor, que faz frio,
qualquer coisa que não diga
nada, e se despede em crises
de espirros, óculos escuros
para que não notem os olhos
salpicados em conta-gotas
avermelhados
gigantescos
dissimulados.
estava dispersa quando
peguei o garfo com a mão esquerda mas logo me dei conta
de que não sou
canhota
uma brecha no schedule, a tarde inteirinha azul, início de junho, a casa vazia, mamãe foi pra roça e papai for trabalhar, passar hidratante nas pernas, colônia atrás das orelhas, rímel nos cílios, colocar um jazz, bem swing, bem smooth, prender os cabelos com muitos grampos, escolher canetas, imaginar vestidos, desligar o telefone e ver a lua cheia bem apagada, como uma marca d´água, deslizando por atrás das montanhas.
(nove de junho)