Tomo chá de gengibre e limão com uma colher de mel. Mordisco uns biscoitos amolecidos pelo tempo e lambo as pontas dos dedos, sugando os restos de açúcar. Meu bem, já não sei o que dizer. Abri o envelope e devorei a sua letrinha miúda contando as imundices da adolescência e reprovei em tom de mãe – isso, não. Você me conta as velhas novidades com muita energia, e quando tirei os olhos do papel me espantei em não estar aí, juntinho. Os meus pés estão cruzados do outro lado da cama, teimam em tremer, esses dois. E quando a gente escutava música, as risadas saiam agudas e os olhos cintilavam enormes feito jabuticaba. Já aqui é pacato toda a vida, nove da noite não se ouve o telefone tocar e a lua enxerga lá de cima. Antes de entrar no avião, ouvi muito conselho de que céu e mar diminuem saudades, já que existem em qualquer parte do mundo. Mas eu não concordo: céu é céu, mar é mar, e saudade é tudo, até coisa que não se vê. Só que eu sou forte que nem onça e fechei os olhos com muita vontade para que ninguém me visse chorar. Já sou gente grande pra me derramar em tico-tico na frente dos outros; agora preciso ter segredos, não é assim que se faz quando cresce? Pois tem dias em que fico bastante quieta, observando com sentidos de bicho, e a cabeça chega a machucar de tanta idéia que cutuca. Sabe, essa cama está uma bagunça, com os dias espalhados e gostos diversos, porque o calendário desse povo é muito doido – você já imaginou que eu estou na noite da sua manhã?
(13 de novembro de 2004)
a estrada é sinuosa mas eu não
enjôo
ao contrário – escolho
palavras & acordes
que te embalam
no banco de trás.
a primeira lição para um bom desenho
é contornar o que está ausente.
eu estive aqui o tempo todo
as mãos muito repousadas têm diagnóstico certo:
quando nasceu, corpo mole de bebê
não chorou nem um instante
escorregou nas mãos do médico mas não
caiu.