M. estava na sala sozinha, sem luz. acabou a energia de manhã, o pior é ficar sem ar condicionado, ela diz. procura na mesa uns papéis, checa o meu nome, pergunta se é esse mesmo, me entrega a autorização. vamos ter que levar o documento até outro departamento. M. caminha ao meu lado, subimos uma escada de mármore, passamos por um vão, no alto uma menina caminha bem rápido, não faz questão do corrimão para subir os degraus, sequer encosta na parede, sobe e sabe que estamos em sua frente, faz curvas, corre. quando me aproximo, vejo as duas pupilas azuis rondando, fora de órbita. fico levemente tonta. perto dela há uma folha que diz: risco cirúrgico. outra mais adiante repete os dizeres. é a sala do oftalmologista, M. diz, e pergunto o que aquilo quer dizer, o risco, no que ela responde longamente, sem chegar a uma explicação precisa. de repente sinto vontade de coçar os olhos, ergo as mãos mas me reprimo, já encostei nas paredes, na cadeira, no corrimão, desse jeito é possível que eu tenha que me acostumar a subir os degraus sem ajuda. chegamos enfim ao departamento, meus olhos coçando, digo à sra. C. que gostaria, por gentileza, de conversar com alguns... pacientes. nesse momento, sei bem que não escolhi a palavra precisa, mas de fato não saberia qual escolher, talvez cegos, deficientes, talvez tudo isso soasse pior. a sra. C. me responde brava, diz que ali não há pacientes, há alunos. você não vai poder conversar com os nossos alunos, não hoje.