Gostava de sentar e batucar nas notas (era um instrumento de percussão), sem me preocupar em harmonia dó-ré-mi, semínimas, colchetes, o que fosse. Eu puxava o banquinho e ela logo vinha me ver. Sentava no sofá, puxava um cigarro do bolso para poder se distrair com algo nas mãos, e aos poucos virava uma samambaia, um tapete, um lustre. Eu improvisava músicas de quinze, vinte minutos, e ela continuava ali, sem mal respirar. Às vezes eu percebia a faísca das cinzas se amontoando como que resistindo à gravidade, uma fileira que cai infalivelmente no chão de taco, mas que não causava nenhum reboliço. A nossa casa era assim mesmo. Como um corpo que coleciona cicatrizes, que não tem a vaidade de se esconder debaixo do tapete ou no armário do corredor; a nossa casa era uma mulher velha, gasta, com cheiro de cédula que já passou na mão de dezenas de trocadores de ônibus, gente da mais desconhecida espécie. A gente gostava de acumular, juntar, encontrar coisas inúteis. A maior graça era redescobrir um velho bilhete de cinema, ou recorte de jornal, ou recado de que ia à praia e voltava às cinco, enfim, a maior graça era achar um papelzinho amassado, abrir, amassar novamente e deixar em outra lugar da casa, para mais tarde encontrá-lo pela primeira vez. Aqui, quase não temos lixo. A comida, vá lá, já tira a graça da coisa, mas lixo, lixo mesmo, bugiganga, isso a gente não joga fora.