quando faltou luz
ficou aquele breu e eu
com as mãos tremendo
morta de medo
de tudo se iluminar
de repente.
Não consigo definir esse instante
Misto de êxtase com você sabe
De repente uma tempestade que
Transborda
O encontro inevitável
Às cinco da tarde em frente ao relógio da esquina com um senhor de óculos uma
mulher que carrega compras três estudantes de mochilas e uniformes muitos carros que
avançam o sinal amarelo e você
Tão disperso
Nem adivinha a minha fissura.
tempestade por dentro
o corpo espalhado
sob o sol
nem parece que tem
sombra
a pele quente lá pelas tantas
anuncia
meio-dia.
Triste te ver tão mal paga, desprezada, topando.
Banco de trás do carro, você não era assim. Senta no vaso em banheiro público que é pro tempo passar depressa – e essa pressa, de que te serve? -, sentindo dor que não sabe de onde vem. Do coração, ah não, e ainda por cima virou brega? Romântica, platônica?
Você não sabe de nada. Com uma chave ou moeda você rabisca na porta da cabine uma frase. Dá tanto trabalho talhar a madeira, mas isso não te incomoda, você reforça até que a letra fique bem marcada. Pornografia, não, filosofia, não, poesia? Você não era assim, clichê.
Conhece gente nova e logo se afoba: quer inventar outra vida, outro nome, outros dias. Não essa pele gasta, cheiro de moeda, uma vontade de perfume, sapatos. Gostaria de ter um passado, viagens, postais?
Mas você não se lembra de nada. E é por isso que tira fotografias em frente ao espelho, posando com caras caras, saboneteiras, porque tem medo de esquecer? Tem medo de se esquecer? Você tem medo é de tudo, é de monstro debaixo da cama, é de reflexo.
Já disse que não adianta. Que daqui a pouco amanhece, alguém entra no banheiro e adivinha dois pezinhos tortos, e são os seus. Vão bater na porta, dizer que a boate está fechando, vá para casa, menina, já faz dia. E você nem te ligo, vão ter que me tirar à força?
Vão te tirar à força. E não serve em nada gritar, espernear, que aí te chamam de louca, vem polícia, vem repórter, vejam só, a menina endoidou, pirou de vez.
Desiste que tem gente esperando.
O sorriso dele é largo pros lados. Essa luz é muito dura, ela bate e fura, o rosto cheio de imperfeições, marcas da adolescência. Ele olha tão fixamente que não sei se é espasmo, eu sempre relutante com o rosto baixo. Ele põe a mão sobre a minha e sorri com muitos dentes, ele aproxima o rosto, mas eu morro de medo, prefiro disfarçar a ter que encarar com a cara toda, essa luz brusca, o lugar cheio de gente, os meus braços à mostra.
Não sei por que insistir nisso.
Dessa vez mudo o convite e vôo pra cima sem olhar para os lados, sem nem me preocupar com os grampos pendurados nos cabelos, esse fiapo de noite pendente que depois a gente assina num diário e esquece, eu me debruço sobre a mesa e deixo de lado as mesuras.
E o seu espanto.
Eu nunca vi o mar. Morro de curiosidade em perder os olhos num horizonte que de tão longe dá pra ver a curva do planeta, por onde a água desliza. Na noite passada, sonhei que eu molhava os pezinhos nas primeiras ondas, e depois mergulhava de cabeça e de corpo inteiro. Em rápido movimento, nadava até a última linha que separa o mar do céu, a água do ar, o azul do azul escuro. E então eu caia em rodamoinho, porque lá é onde a Terra acaba, e depois não tem continente, oceano, nem Japão: só espaço sideral, onde o horizonte se encurva e eu caio do pico do mundo.